ivanir-aguiar-222122-300x265Este artigo foi escrito através de um depoimento narrado por um trabalhador do cais que ganha á vida carregando e descarregando navios em Manaus que, diariamente, sangram os rios Amazonas, Negros e Mamoré transportando os ribeirinhos. A situação é calamitosa se levar em conta o tipo de embarcação que além de não ter mínimas condições, também não existe fiscalização, chegamos a triste realidade daqueles que sofrem com as agruras da região Amazônica. O perigo ronda as navegações, pois os passageiros são obrigados a se amontoarem sobre redes, colchões jogados ao chão misturados com cargas, bichos, bebidas e verdadeiras mudanças, o que oferece, sobremaneira, uma superlotação nas embarcações. O grito diário daquela gente nunca é ouvido pelas autoridades responsáveis. Dai, constantemente, as manchetes dos jornais estampam tragédias nos rios por diversos motivos. Esta história que vamos contar é verídica e foi vivenciada por centenas de moradores e turistas.

A jornada dos motores é de véspera e de demora. Ninguém liga isso não. Todos são muito tranquilos. Indolência de beira de rio, o barco balança de balançar, doce e calmo e calma, são as águas do negro aqui em Manaus, que beijam despreocupados o centro da cidade. No cais, onde aporta o Marcia Maria, de quinze em quinze dias e que faz a linha do alto Solimões, até Tabatinga, germinada com Leticia, onde tem muita gente que luta pela sobrevivência e muitos brigam pela morte ou contra a morte, forjado no tráfico de cocaína, um existir menos inglório, então esse converse de pura Itatuba, já gemeram muito sob o peso das matronas peruanas, que desafiam a lógica da idade e a “lós sapos brasílios”, trazendo a “pura” inundando a paca de Manaus, ‘para a alegria dos branquelos turistas “lós das “europas” que gostam de curtir a selva e os nativos, sob a ótica dos colonizadores e” sem viajar, não dá”.

Poucos conhecem o mico leão, considerado a miniatura do alto Solimões. Por aí, nos barcos, ainda se consegue ver algum que viaja com a tripulação. De tão pequenos, não têm forcas para dar uma mordida na mão da encantada canadense que esta ai afagando um incomodado leãozinho na amurada do Márcia Maria, que pretende ganhar o Solimões daqui a pouco, no lusco fusco, quando todos os motores que varrem a Amazônia saem e chegam num ir e vir sem sentido, nesse viajar infinito, de tanta água, de tanto peixe, e tantos perigos.

O Marcia, ninguém sabe como, mantém-se flutuando com tantas grades de cerveja, com tantas caixas de alimentos, máquinas e peças, e acima de tudo, a população ribeirinha que escolheu aquele janeiro para estar a bordo daqueles madeiros fortes, acostumados aos banzeiros intermináveis das chuvas dos invernos tropicais. Nem bem se passou por um madorna e Manacapuru como lanternas espreitas por trás da lona, que desenha na luz morteira, seus contornos de princesas do Solimões, com os ventos boreste e açoitando o “luxuriante” galeão que guarda em seu bojo, todas as cargas do mundo e todos os passageiros e misérias do latino-América tropical, onde a vida vale pouco mais que um sono de curumim e menos que o descuido de um timoneiro.

A coisa começou com o ranger de tábuas e o acordar nas redes, rolando os paneiros de farinhas e o banque surdo das cargas se deslocando no porão. A não ser nas travessias, os motores fogem das correntes, margeando as barrancas, os alados, aproveitando a luz da lua, com flashes esporádicos do farol de proa, apenas para espantar os troncos e os maus espíritos enquanto todo mundo dorme, ressona no camarotes e nas redes, como se não estivessem navegando no majestoso Solimões , cheio de abismos formidáveis e de peixes gigantes que seguem os barcos esperando a boa vontade do taifeiro que lhes atira os restos de um rancho de trezentas e tantas pessoas.

O negrume da noite e os ventos meridionais encurralam o Marcia Maria no lago de Coari, que de pequeno não tem nada. A chuva chegou com a rapidez dos relâmpagos e pode-se ouvir aqui e ali, um choro abafado de criança ou reza de mães compadecidas porque o caboclo não chora e nem grita, mesmo diante da desgraça. A proa atolava no meio das ondas e saia bebendo água, o porão se inundu e o rebuliço das cargas derrubou homens e cargas, mulheres e crianças, e o sonho do curumim que tinha ido conhecer a cidade grande e da matrona peruana que deseja comprar “uma bodega em Iquitos” e mudar de vida. O Marcia Maria adernou perigosamente e os coletes salva vidas, uns poucos, foram distribuídos com algumas despedidas, algum choro e pouco desespero.

O motor ainda resistiu algum tempo, bravamente se recusando a afundar rangendo briguento contra a fúria do temporal, mas depois, sossegou num balanço ultimo e tranquilo e soçobrou, ganhando o fundo do Coari, que guarda em suas entranhas os mais belos tambaquis, os sonhos dos caboclos amazonenses que espera, um dia que este nosso amazonas, não faça parte dos EUA.

CONTINUA SEMANA QUE VEM …

Texto: Ivanir Aguiar é jornalista e membro da Academia Vilhena de Letras

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