ivanir-aguiar-333333As nuvens do céu essa que eu já contei. Antes da chuva é tudo cinza da cor dos chifres do boi dobrado. Você precisa de ver. Tudo tem cor. Das feias, das tristes e das bonitas, como o branco e o azul que tem no céu. Quando mistura tudo na vista da gente, descansa a cabeça, sossega o juízo. Aqui no mira é bonito. O mira é um lago muito grande. Você já andou por ai e tudo sabe. O barulho do motor começa baixinho e muito longe só o tempo que demora em chegar na taberna do Josué, dá para saber da distância. Ta escutando? Plaft, plaft, urruollf. A gente fala no demônio e o capeta aparece. Vem ai seu Josué no casquinho com a rede do almoço. Homem bom seu Josué. Bebe não. Trabalha que nem cativo. Fia em tudo aqui no mira e até nas gentes da Araçá que é mais arretirado daqui e não amola ninguém não. Ninguém fica sem a farinha por pouco dinheiro não.

Se ele encostar aqui no flutuante para uma prosa qualquer, pede logo a benção, que ai quando você ir na taberna ele te dá um ou dois bombons. Já tem filho estudando em Manaus. Estudar é saber ler. Quem sabe ler, lê as letra. A letra, meu curumim, é uma capoeira danada, igual que tem nos igapós com espinhos furando a gente e folha cortando as pernas. Tudo igual. E os danados entendem aquilo tudo e vai tecendo uma emendada na outra e a prosa fica do tamanho que quiser. Pode ser com lápis que é pauzinho preto que vem da cidade, ou quando não tem, eles servem da pena do marreco molhada na tinta de ingá-xixi, que é a mesma coisa . aí é que é. Fica tudo sabido. Vira professor, vira doutor de curar, de curar sezão, que faz remédio melhor que a raiz da vó. Muito melhor. Mas dai seu Josué parou de passar, remando a canoinha. Onze horas pode bater na redes dele que o almoço está garantido. Dá de tudo nesse mira. Deus abençoa seu Josué. Aruanã ele não é não, joga tudo fora. Fala que parece cobra. Só os tucunaré bonito, os ruelos. Essas banha que está ai na lata da gente fritar peixe é ele que trouxe. De vez em quando amarra um peixe-boi no igarapé. O peixe-boi é muito bobo, sabe? Fica pastando na canarana com aquela bocona redonda fazendo barulho, Aí o caboclo que fica azarando pelas beiras vai chegando de mansinho e arpoa o tolo que afunda com a zangaia o lombo.

É mato verde ai. A castanheiras é Deus, um Deus bonito. A preguiça é um deus que não tem pressa. A onça pintada é um Deus mais brabo. São deuses e nossos irmãos. O peixe boi, o jacaré , a anta tudo. O mira é o nosso sangue. O araçá que é rio, que ainda tem boto vermelho e tucuxi que tem caboclo d’água… È a veia por onde escorre o nosso sangue, como carrega nossos barcos sem pedir ou negar fogo. A vó aqui no mira, antes que os homens da cidade levem nos dos barcos o último  peixe daqui.

Quando não existir mais o tracajá, nem o tambaqui a vó já não é mais desse mundo. O povo de fora, os homens maus não teme esse deus não. Os que trazem bebidas e os vícios e fazem mal às nossas cunhãs. Falam que estão trazendo o progresso, prometendo o futuro. O futuro é o que vai chegar o que está vindo e é ai que eu não entendo, porque o que a gente quer, o que a gente necessita já esta aqui. A floresta e a água, nada mais. Ninguém quer mais nada não.

Então o futuro do mira é agora, isso que ai está na nossa frente essa beleza de água escura. O passado vai ser o amanhã quando não sobrar nem o guariba de carne dura, escuta mais meu curumim: você não é feliz aqui, assim como está? E a menininha e o Laurípio? A vó também é

 

Ivanir Aguiar é jornalista e membro da Academia Vilhenense de Letras

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